sexta-feira, 30 de setembro de 2011
ENTREVISTA COM MÁRIO PERINI
SOBRE LÍNGUA, LINGUAGEM E LINGUÍSTICA –
UMA ENTREVISTA COM MÁRIO A. PERINI1
Mário A. Perini
Universidade Federal de Minas Gerais
Entrevistadores – O que é língua?
Perini – Chamamos “língua” um sistema programado em nosso cérebro que,
essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas mentais que formam
nossa compreensão do mundo e um código que os representa de maneira perceptívelaos sentidos. Os seres humanos utilizam um grande número de tais sistemas(“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se assemelham em muitos outros aspectos. Tanto as diferenças quanto as semelhanças são altamente interessantes para o linguista.
O sistema em questão é de uma complexidade extrema: compreende regras (de
pronúncia, de formação de palavras, de formação de frases, de relacionamento das formas com os significados), itens léxicos (palavras e morfemas, com suas propriedades gramaticais e seus significados), expressões idiomáticas (como pisar na bola ou mãe de santo) e clichês (como ficar sem fala e tomar café). Acredita-se hoje que o sistema é em parte inato, pois todas as línguas parecem seguir determinadas linhas, ou seja, não encontramos tudo o que seria possível, mas apenas algumas das
possibilidades. A hipótese é que as línguas só se desenvolvem seguindo certas direções por que de outra forma não seriam utilizáveis por cérebros humanos. E parte do sistema, evidentemente, não é inato, e precisa ser aprendido a partir de exemplos observados pela criança.
O que chamamos uma “língua” é, assim, uma das realizações históricas da capacidade humana para a linguagem. E cada língua é profundamente enraizada na cultura que serve – por exemplo, não creio que em tibetano ou em amárico haja expressões exatamente paralelas a pisar na bola ou mãe de santo. Já houve (não sei se ainda há)quem sustentasse que a língua que uma pessoa fala condiciona sua maneira de ver o mundo (a chamada “hipótese de Sapir-Whorf”). Suspeito que há um grão de verdade nessa hipótese, mas do modo como é geralmente enunciada ela exagera a importância da língua nos nossos processos cognitivos.
Entrevistadores – Qual a relação entre língua, linguagem e sociedade?
Perini – Posso começar dizendo que a relação entre língua e linguagem é que uma “língua” é uma das maneiras como se manifesta exteriormente a capacida de humana a que chamamos “linguagem”. Mas o termo linguagem é também aplicado a outros tipos de sistemas de comunicação, que normalmente não são chamados línguas,como o sistema de sinais de trânsito e a linguagem das abelhas. Assim, linguagem é um conceito muito mais amplo do que língua: a linguagem inclui as línguas entre suas manifestações, mas não apenas as línguas.
Agora, dito isso, podemos afirmar que as relações entre a linguagem (em geral sob a forma das línguas) e a sociedade humana são muitas e muito importantes. Primeiro,observemos que qualquer sociedade minimamente complexa só pode funcionar, e mesmo surgir, através do uso intensivo da linguagem. A sociedade funciona através da cooperação e/ou conflito entre os homens, e a linguagem medeia esses processos de maneira crucial.
A língua falada por um povo é parte da imagem que esse povo tem de si mesmo, em certos casos ainda mais significativa do que as unidades políticas em que o povo se organiza. Assim, embora a Alemanha e a Itália só se tenham unificado como nações nos meados do século XIX, havia muitos séculos já que os falantes das respectivas línguas se consideravam “alemães” e “italianos”. Pode-se mencionar também fatos atuais como a atitude dos catalães e dos bascos, que insistem em ser diferentes dos demais espanhóis, em grande parte por falarem outra língua. Vemos aí uma tendência a fazer coincidir as fronteiras linguísticas com as fronteiras nacionais. Isso nem sempre acontece, como se pode ver pela persistência das fronteiras entre os países hispano-americanos, mas mesmo assim um mexicano se sente culturalmente mais próximo de um espanhol ou de um uruguaio do que de seus vizinhos americanos falantes de inglês. A língua é, sintomaticamente, um dos instrumentos mais importantes na mão de governantes que, para bem ou para mal, procuram enfatizar a unidade de um povo ou de uma nação.
Entrevistadores – Há vínculos necessários entre língua, pensamento e
cultura?
Perini – Entre língua e pensamento certamente há. Apesar de a língua ser
primariamente um instrumento de comunicação (ao contrário do que dizem alguns,ver a questão 5), ela é também um instrumento de pensamento. Ou seja, podemos utilizar a língua para pensar, e constantemente o fazemos. Não acredito que a língua que uma pessoa fala condicione em grande medida sua maneira de pensar (contradizendo a chamada hipótese de Sapir-Whorf, mencionada na questão 1); mas acho perfeitamente plausível que haja alguma influência da língua sobre as categorias através das quais compreendemos o mundo. Já se fez algum trabalho sobre isso – por exemplo, sustenta-se que os falantes de certas línguas categorizam as cores de maneira diferente dos falantes do português, e isso se reflete em sua língua. Os russos distinguem duas cores no que chamamos de azul (goluboy “azul claro”, sinniy “azul escuro”); isso não quer dizer que eles vejam essas cores diferentemente, mas certamente sugere que eles “organizam” diferentemente esse detalhe da realidade.
Mas o verdadeiro vínculo entre língua e pensamento é que o conhecimento e o uso da língua são também formas de pensamento. Ao usarmos uma língua, lançamos mão de conhecimentos não apenas linguísticos stricto sensu, mas de todo tipo de conhecimento sobre o mundo. Por exemplo, podemos dizer animal mamífero, mas não mamífero animal, porque se entende que todo mamífero é animal, e o termo mais restritivo deve sempre aparecer depois do menos restritivo. Nesse caso, a ordem das palavras não é determinada apenas pelo nosso conhecimento da língua, ou seja,da gramática, mas também pelo que sabemos sobre o mundo animal. Os exemplos são muitos, e mostram que não existe uma fronteira nítida entre nosso conhecimento da língua e nosso conhecimento do mundo. A meu ver, existe uma fronteira aproximada entre esses dois tipos de conhecimento, o que nos autoriza a continuar
falando de conhecimento linguístico, de gramática etc., mas não se trata de um limite entre componentes estanques, porque os pontos de interrelação são muitos.
Quanto aos vínculos entre língua e cultura, existem porque a cultura inclui
manifestações de base linguística, como a literatura (oral e escrita), o humor, as fórmulas e rituais para as diversas ocasiões da vida(nascimento, funeral, casamento,encontros na rua etc.), e todas essas manifestações são marcadas por expressões linguísticas especiais. A poesia, por exemplo, utiliza certos tipos de métrica, rima, aliteração etc., que são específicas de cada língua. Além disso, a poesia lança mão constantemente de associações que são específicas daquela cultura, e que deixam de funcionar quando traduzidas: pode-se lembrar, por exemplo, como é difícil para um ocidental perceber a beleza poética dos hai-kais japoneses quando traduzidos. E me lembro de um poema que dizia que a flor é a casa do perfume, que um colega francês achou horrível porque ele percebia a palavra maison (“casa”) como um termo excessivamente concreto, terra-a-terra, que só lhe evocava tijolos, reboco, janelas e portas.
Entrevistadores– A linguagem tem sujeito?
Perini – Sinceramente, não compreendo a pergunta. A palavra “sujeito” vem
assumindo uma gama tão extensa de significados que não vejo como responder sem que pelo menos 50% dos leitores achem que estou fugindo ao tema. Vamos definir direito o que se entende por “sujeito”, e aí talvez eu possa responder.
Entrevistadores – O que é linguística?
Perini – A linguística é uma tentativa de descrever e compreender um fenômeno muito misterioso: uma pessoa pode comunicar a outra certas idéias através de sinais sensorialmente perceptíveis. Em outras palavras, é o estudo dos códigos usados pelas pessoas para se comunicarem, e da capacidade inata que nos permite levar a efeito essa atividade.
Alguns linguistas importantes, como Chomsky, sustentam que a função comunicativa da linguagem é secundária, e que a linguagem existe principalmente para permitir o pensamento. Isso cria uma dificuldade na base da metodologia linguística: se nos basearmos em enunciados observados para estudar as línguas (e, daí, a linguagem),estaremos usando dados provenientes de um uso marginal do fenômeno estudado. Mas, se quisermos partir de dados relacionados com o uso essencial da linguagem (segundo eles, o pensamento), teremos que nos limitar à introspecção – e acho que
nenhum linguista sustentaria seriamente essa alternativa.
O dilema, porém, é só aparente, porque a linguagem é mesmo, fundamentalmente,um instrumento de comunicação. É possível pensar sem utilizar a linguagem, mas não é possível se comunicar sem utilizar (algum tipo de) linguagem.Devo acrescentar que a fonte principal dos dados do linguista, mesmo daqueles que se ocupam da teoria geral da linguagem, está nas línguas naturais (português,caxinauá, húngaro e alemão, por exemplo). O estudo das línguas naturais,consideradas em si mesmas, é a base de todo o estudo linguístico. Digo isso porque já ouvi linguistas afirmarem que o estudo das línguas naturais é relativamente pouco interessante para o que entendem por “linguística”. É uma atitude que não apoio, e que considero fora da realidade.
Além desse estudo basicamente estrutural, a linguística também estuda a evolução histórica das línguas, as variantes que uma língua mostra segundo seu uso pelas diferentes classes sociais, as variantes regionais, o processo de aquisição da linguagem pelas crianças e vários outros aspectos da estrutura e do uso das línguas. Há também um esforço no sentido de descobrir os traços comuns a todas as línguas,com a idéia de que eles são evidência de aspectos da programação inata que nos permite adquirir e utilizar uma língua natural. Acrescente-se a tudo isso a procura de aplicações dos resultados da linguística à solução de problemas práticos, em especial ao ensino de línguas.
Entrevistadores – A linguística é ciência?
Perini – Acho que sim, em princípio, mas tenho restrições quanto à maneira como alguns linguistas entendem esse “status” de ciência. Talvez o melhor seria dizer: a linguística pode ser uma ciência, dependendo de como a praticarmos. Se é uma ciência, é sem dúvida uma ciência empírica, ou seja, empenhada em descrever um aspecto do universo e em construir teorias que expliquem os fenômenos descritos. Esses dois aspectos são fundamentais: não há ciência sem descrição sistemática de aspectos da realidade, e não há ciência empírica sem teorias que procurem explicar esses aspectos em termos mais gerais – sempre que possível, relacionando-os com teorias de outras ciências que se ocupam de aspectos correlacionados. São duas faces
de toda e qualquer ciência empírica, e uma não pode existir sem a outra, sob pena de prejudicar o caráter científico da atividade em questão.
Alguns linguistas atuais, entretanto, parecem convencidos de que é mais importante criar teorias do que descrever fatos de maneira sistemática, precisa e escrupulosamente fiel aos dados da observação. O resultado, a meu ver, é uma nãociência (para não ser malvado e dizer uma “pseudo-ciência”). Mas o problema não está no caráter da linguística; está na compreensão a meu ver falha que alguns linguistas têm do trabalho científico.
Uma atitude deletéria que observo na linguística atual é a de enfatizar a produção,discussão, crítica e releitura de textos teóricos (sejam recentes, sejam clássicos), sem uma ênfase paralela na sua validação frente a dados reais. Isso tende a reduzir a atividade linguística a uma crítica textual sem conteúdo empírico, e portanto não científica. Não estou dizendo que não se deva ler Saussure, Chomsky ou Pânini; mas é fundamental reconhecer que esses autores, e todos os outros, só têm relevância para a linguística moderna se puderem sugerir novos meios de abordar o estudo da realidade das línguas naturais.
Para resumir, a linguística é uma ciência na medida em que se ocupa sempre, em última análise, do estudo de dados reais, tirados do uso normal das línguas.
Entrevistadores – Para que serve a linguística?
Perini – A linguística, como toda ciência, serve para aumentar nosso conhecimento e nossa compreensão de alguns aspectos do mundo.
Por outro lado, ela pode ter aplicações (ver questão 8), mas estas não fazem parte de sua fisionomia fundamental; são decorrências acidentais. Mal comparando, ficamos muito felizes em saber que a química permite a criação de medicamentos; mas não se pode dizer que a química tem como objetivo a fabricação de remédios. O que a linguística faz, e o que faz dela uma ciência, é descrever e (na medida do possível)explicar o fenômeno da linguagem.
Entrevistadores – A linguística teria algum compromisso necessário com
a educação?
Perini – A linguística, como ciência, não tem compromisso com a educação. Já os linguistas, como cidadãos, devem ter, e geralmente têm, um grande compromisso com a educação. As principais aplicações do conhecimento linguístico se voltam para questões educacionais. Por isso, na prática, a linguística e a educação se ligam bem de perto. É mais ou menos como a relação que existe entre a física e a engenharia mecânica: a fabricação de máquinas não faz parte do objeto da física, mas conhecer física é essencial para um engenheiro mecânico.
Muitos linguistas se preocupam com as aplicações de sua disciplina a problemas educacionais, e podem mostrar alguns resultados importantes, notadamente na área do ensino de línguas estrangeiras. Já no que diz respeito ao conjunto de habilidades que se tenta transmitir sob o rótulo de “língua portuguesa”, as contribuições estão em grande parte ainda no reino das potencialidades. Acho que poderíamos dar uma contribuição significativa ao desenvolvimento de áreas como a aquisição da leitura
fluente, o ensino de gramática, o conhecimento da realidade linguística do Brasil e o desenvolvimento das habilidades de redação (“produção de textos”, no jargão atual).
Mas acho que pouca gente tem se dedicado intensivamente a esses problemas –em oposição à linguística aplicada ao ensino de línguas estrangeiras, que é uma área bem estabelecida, com seus especialistas próprios, revistas especializadas, programas de pós-graduação etc.
É preciso observar que quando se pensa em aplicação da linguística à educação é indispensável pensar em termos interdisciplinares. Digo isso porque tenho visto ocasionais tentativas de aplicação direta e crua de conceitos teóricos ao ensino, com resultados desastrosos. Posso citar, em tempos idos, a tentativa de criar uma metodologia transformacional de ensino de línguas, e atualmente a aplicação indevida dos estudos de universais linguísticos a problemas de sala de aula. Não se pode perder de vista que o ensino é uma questão didática, pedagógica, não linguística; e que o valor de uma metodologia se mede em termos de resultados, e não de inserção nas teorias do momento.
Eu gostaria de ver um número maior de linguistas de primeira linha ativamente engajados no desenvolvimento de aplicações da nossa ciência a questões educacionais – e gostaria igualmente de ver maior receptividade da comunidade escolar às inevitáveis inovações que daí resultarão.
Entrevistadores – Como a linguística se insere na pós-modernidade?
Perini – O que é “pós-modernidade”? Já vi esse termo empregado em diversos
sentidos, nenhum deles realmente interessante. Vou selecionar os três que me parecem mais comuns, para tentar relacionar cada um com a linguística de hoje.
Em um sentido, “pós-modernidade” se refere a um movimento que, me parece, tem como objetivo subordinar o trabalho científico a considerações de ordem ideológica, com o interesse de fazê-lo politicamente correto. Por exemplo, criticou-se o uso da noção de “comando” em sintaxe porque se trata de uma relação assimétrica, de base autoritária e não-democrática – não estou brincando, vi isso em um artigo na revista Natural language and linguistic theory, se não me engano de 1992. Ou podem negar a própria relevância do estudo da fonologia por ser desvinculado de aplicações
políticas. Tudo isso seria apenas ridículo se não fosse levado a sério por algumas pessoas bem intencionadas. Essa atitude, se levada adiante, é destrutiva, eu diria mesmo anti-intelectual. Posições políticas, por mais defensáveis que sejam, não são um substituto para o trabalho científico, baseado no respeito aos fatos e na tentativa de organizá-los dentro de teorias coerentes. Nesse sentido, a linguística (a que eu pratico e defendo) não se insere de maneira nenhuma na “pós-modernidade”.
No segundo sentido, parece que “pós-modernidade” se refere à tendência de
abandonar a ideia de ciências autônomas para concentrar atenção nas áreas
limítrofes, nas chamadas interfaces, negando-se às vezes a possibilidade de
estabelecer limites. Isso não me parece novidade: é provavelmente uma consequência inevitável do avanço do conhecimento. As áreas antes consideradas marginais vão se integrando, à medida que produzem resultados apreciáveis; por isso, hoje se estuda coisas como a psicolinguística, a sociolinguística, a análise do discurso, a pragmática etc., que eram muito pouco presentes nos programas quando fiz minha pósgraduação, nos anos 70. Acredito que os limites ainda estão aí, mas alguns deles estão menos nítidos, e pelo menos alguns podem não subsistir por muito tempo; isso só o tempo vai dizer.
Como disse, não há nada de realmente novo nesse processo: aconteceu sempre, e vai continuar acontecendo. É preciso encarar essa integração com espírito crítico, pois há uma tendência a aceitá-la sem exame pelo simples fato de estar na moda: a pesquisa linguística seria submetida a uma cláusula de interdisciplinariedade compulsória. Essa é uma posição ingênua, e aliás acontece que a maior parte do trabalho relevante em linguística ainda se faz dentro das áreas e subáreas tradicionais. Mas não há dúvida de que o processo de integração é real; para dar um exemplo que afeta o meu trabalho, hoje é difícil justificar um trabalho em sintaxe e semântica sem levar em conta os resultados da ciência cognitiva. Só gostaria de enfatizar que para isso é preciso saber muito bem sintaxe, semântica e ciência cognitiva.
Um terceiro sentido de “pós-modernidade” eu detecto na tendência, mais observável no campo da análise do discurso, de adaptar à linguística certas ideias sobre ciência em geral, às vezes conhecidas sob o rótulo de “construtivismo social”. Em princípio,essa vertente enfatiza o componente pessoal da atividade científica, e varia em grau de radicalismo. Alguns autores apenas apontam que o cientista é um ser humano, e que suas crenças e desejos podem influenciar seu trabalho; já outros autores chegam a posições extremas, como a de negar que o conhecimento objetivo seja possível,porque (segundo eles) a realidade não é acessível à cognição humana – ou mesmo que a realidade não tem existência objetiva, sendo um construto da mente humana. A primeira dessas posições é, a meu ver, verdadeira, mas bastante óbvia. Já quanto à segunda, o mínimo que posso dizer é que é auto-destrutiva: se a realidade não existe, então as ideias desses autores (assim como os próprios autores) também não existem, e onde é que vamos parar?
Não encontrei, na literatura linguística, tentativas sistemáticas de aplicar essas ideias radicais de construtivismo social; em geral, o que se encontra é apenas uma leitura e releitura infindável de textos, um diálogo inteiramente intrateórico e, como é inevitável, empiricamente estéril. O texto “linguístico” degenera em um exercício de estilo, com uma procura constante de palavras e construções inusitadas, com o objetivo evidente de causar efeito; o conteúdo é totalmente secundário. O apelo aos dados é esporádico e puramente ornamental, e as conclusões são atingidas sem argumentação verdadeira. Como já foi apontado, esses textos têm mais em comum com a pregação religiosa do que com a argumentação científica. Aqui não posso deixar de citar um comentário de Peter Medawar (biólogo britânico – mas nascido em Petrópolis! –, prêmio Nobel de Medicina) que viu no estilo desses autores “uma certa semelhança com um balé, em que se faz uma pequena pausa de tempos em tempos, em poses bem estudadas, à espera de uma explosão de aplausos”. [in Dawkins, R. O capelão do diabo, p. 90]
É interessante observar que esses autores, que negam explicitamente a possibilidade do conhecimento científico tal como se entende usualmente, não deixam de utilizar (em geral inadequadamente) noções e termos da ciência estabelecida. Vêm daí as frequentes alusões à física quântica e as críticas ao “paradigma newtoniano” – noções que não se aplicam à linguística, e que parecem ser utilizadas sem conhecimento de seu significado nas áreas originais.
Como disse, a análise do discurso, aliás uma área perfeitamente respeitável da linguística, é a que tem sido mais seriamente afetada por esse tipo de problema. Em vez de estudar as condições de produção do sentido no discurso, as eventuais interações entre as estruturas gramaticais e as condições de uso das mesmas, a coesão e coerência dos textos, as regras de retomada anafórica e outros temas que só podem ser abordados no âmbito do discurso, algumas pessoas se desviam para estudos literários (novamente uma área respeitável, mas profundamente infectada por ideias não-científicas), ou para a verborreia pura e simples.*
*Falta um pequeno trecho da entrevista, não publicado aqui por falta de espaço. Para ler a entrevista na íntegra, acessar o link abaixo:
http://revel.inf.br/site2007/_pdf/17/entrevistas/revel_14_entrevista_perini.pdf
UMA ENTREVISTA COM MÁRIO A. PERINI1
Mário A. Perini
Universidade Federal de Minas Gerais
Entrevistadores – O que é língua?
Perini – Chamamos “língua” um sistema programado em nosso cérebro que,
essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas mentais que formam
nossa compreensão do mundo e um código que os representa de maneira perceptívelaos sentidos. Os seres humanos utilizam um grande número de tais sistemas(“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se assemelham em muitos outros aspectos. Tanto as diferenças quanto as semelhanças são altamente interessantes para o linguista.
O sistema em questão é de uma complexidade extrema: compreende regras (de
pronúncia, de formação de palavras, de formação de frases, de relacionamento das formas com os significados), itens léxicos (palavras e morfemas, com suas propriedades gramaticais e seus significados), expressões idiomáticas (como pisar na bola ou mãe de santo) e clichês (como ficar sem fala e tomar café). Acredita-se hoje que o sistema é em parte inato, pois todas as línguas parecem seguir determinadas linhas, ou seja, não encontramos tudo o que seria possível, mas apenas algumas das
possibilidades. A hipótese é que as línguas só se desenvolvem seguindo certas direções por que de outra forma não seriam utilizáveis por cérebros humanos. E parte do sistema, evidentemente, não é inato, e precisa ser aprendido a partir de exemplos observados pela criança.
O que chamamos uma “língua” é, assim, uma das realizações históricas da capacidade humana para a linguagem. E cada língua é profundamente enraizada na cultura que serve – por exemplo, não creio que em tibetano ou em amárico haja expressões exatamente paralelas a pisar na bola ou mãe de santo. Já houve (não sei se ainda há)quem sustentasse que a língua que uma pessoa fala condiciona sua maneira de ver o mundo (a chamada “hipótese de Sapir-Whorf”). Suspeito que há um grão de verdade nessa hipótese, mas do modo como é geralmente enunciada ela exagera a importância da língua nos nossos processos cognitivos.
Entrevistadores – Qual a relação entre língua, linguagem e sociedade?
Perini – Posso começar dizendo que a relação entre língua e linguagem é que uma “língua” é uma das maneiras como se manifesta exteriormente a capacida de humana a que chamamos “linguagem”. Mas o termo linguagem é também aplicado a outros tipos de sistemas de comunicação, que normalmente não são chamados línguas,como o sistema de sinais de trânsito e a linguagem das abelhas. Assim, linguagem é um conceito muito mais amplo do que língua: a linguagem inclui as línguas entre suas manifestações, mas não apenas as línguas.
Agora, dito isso, podemos afirmar que as relações entre a linguagem (em geral sob a forma das línguas) e a sociedade humana são muitas e muito importantes. Primeiro,observemos que qualquer sociedade minimamente complexa só pode funcionar, e mesmo surgir, através do uso intensivo da linguagem. A sociedade funciona através da cooperação e/ou conflito entre os homens, e a linguagem medeia esses processos de maneira crucial.
A língua falada por um povo é parte da imagem que esse povo tem de si mesmo, em certos casos ainda mais significativa do que as unidades políticas em que o povo se organiza. Assim, embora a Alemanha e a Itália só se tenham unificado como nações nos meados do século XIX, havia muitos séculos já que os falantes das respectivas línguas se consideravam “alemães” e “italianos”. Pode-se mencionar também fatos atuais como a atitude dos catalães e dos bascos, que insistem em ser diferentes dos demais espanhóis, em grande parte por falarem outra língua. Vemos aí uma tendência a fazer coincidir as fronteiras linguísticas com as fronteiras nacionais. Isso nem sempre acontece, como se pode ver pela persistência das fronteiras entre os países hispano-americanos, mas mesmo assim um mexicano se sente culturalmente mais próximo de um espanhol ou de um uruguaio do que de seus vizinhos americanos falantes de inglês. A língua é, sintomaticamente, um dos instrumentos mais importantes na mão de governantes que, para bem ou para mal, procuram enfatizar a unidade de um povo ou de uma nação.
Entrevistadores – Há vínculos necessários entre língua, pensamento e
cultura?
Perini – Entre língua e pensamento certamente há. Apesar de a língua ser
primariamente um instrumento de comunicação (ao contrário do que dizem alguns,ver a questão 5), ela é também um instrumento de pensamento. Ou seja, podemos utilizar a língua para pensar, e constantemente o fazemos. Não acredito que a língua que uma pessoa fala condicione em grande medida sua maneira de pensar (contradizendo a chamada hipótese de Sapir-Whorf, mencionada na questão 1); mas acho perfeitamente plausível que haja alguma influência da língua sobre as categorias através das quais compreendemos o mundo. Já se fez algum trabalho sobre isso – por exemplo, sustenta-se que os falantes de certas línguas categorizam as cores de maneira diferente dos falantes do português, e isso se reflete em sua língua. Os russos distinguem duas cores no que chamamos de azul (goluboy “azul claro”, sinniy “azul escuro”); isso não quer dizer que eles vejam essas cores diferentemente, mas certamente sugere que eles “organizam” diferentemente esse detalhe da realidade.
Mas o verdadeiro vínculo entre língua e pensamento é que o conhecimento e o uso da língua são também formas de pensamento. Ao usarmos uma língua, lançamos mão de conhecimentos não apenas linguísticos stricto sensu, mas de todo tipo de conhecimento sobre o mundo. Por exemplo, podemos dizer animal mamífero, mas não mamífero animal, porque se entende que todo mamífero é animal, e o termo mais restritivo deve sempre aparecer depois do menos restritivo. Nesse caso, a ordem das palavras não é determinada apenas pelo nosso conhecimento da língua, ou seja,da gramática, mas também pelo que sabemos sobre o mundo animal. Os exemplos são muitos, e mostram que não existe uma fronteira nítida entre nosso conhecimento da língua e nosso conhecimento do mundo. A meu ver, existe uma fronteira aproximada entre esses dois tipos de conhecimento, o que nos autoriza a continuar
falando de conhecimento linguístico, de gramática etc., mas não se trata de um limite entre componentes estanques, porque os pontos de interrelação são muitos.
Quanto aos vínculos entre língua e cultura, existem porque a cultura inclui
manifestações de base linguística, como a literatura (oral e escrita), o humor, as fórmulas e rituais para as diversas ocasiões da vida(nascimento, funeral, casamento,encontros na rua etc.), e todas essas manifestações são marcadas por expressões linguísticas especiais. A poesia, por exemplo, utiliza certos tipos de métrica, rima, aliteração etc., que são específicas de cada língua. Além disso, a poesia lança mão constantemente de associações que são específicas daquela cultura, e que deixam de funcionar quando traduzidas: pode-se lembrar, por exemplo, como é difícil para um ocidental perceber a beleza poética dos hai-kais japoneses quando traduzidos. E me lembro de um poema que dizia que a flor é a casa do perfume, que um colega francês achou horrível porque ele percebia a palavra maison (“casa”) como um termo excessivamente concreto, terra-a-terra, que só lhe evocava tijolos, reboco, janelas e portas.
Entrevistadores– A linguagem tem sujeito?
Perini – Sinceramente, não compreendo a pergunta. A palavra “sujeito” vem
assumindo uma gama tão extensa de significados que não vejo como responder sem que pelo menos 50% dos leitores achem que estou fugindo ao tema. Vamos definir direito o que se entende por “sujeito”, e aí talvez eu possa responder.
Entrevistadores – O que é linguística?
Perini – A linguística é uma tentativa de descrever e compreender um fenômeno muito misterioso: uma pessoa pode comunicar a outra certas idéias através de sinais sensorialmente perceptíveis. Em outras palavras, é o estudo dos códigos usados pelas pessoas para se comunicarem, e da capacidade inata que nos permite levar a efeito essa atividade.
Alguns linguistas importantes, como Chomsky, sustentam que a função comunicativa da linguagem é secundária, e que a linguagem existe principalmente para permitir o pensamento. Isso cria uma dificuldade na base da metodologia linguística: se nos basearmos em enunciados observados para estudar as línguas (e, daí, a linguagem),estaremos usando dados provenientes de um uso marginal do fenômeno estudado. Mas, se quisermos partir de dados relacionados com o uso essencial da linguagem (segundo eles, o pensamento), teremos que nos limitar à introspecção – e acho que
nenhum linguista sustentaria seriamente essa alternativa.
O dilema, porém, é só aparente, porque a linguagem é mesmo, fundamentalmente,um instrumento de comunicação. É possível pensar sem utilizar a linguagem, mas não é possível se comunicar sem utilizar (algum tipo de) linguagem.Devo acrescentar que a fonte principal dos dados do linguista, mesmo daqueles que se ocupam da teoria geral da linguagem, está nas línguas naturais (português,caxinauá, húngaro e alemão, por exemplo). O estudo das línguas naturais,consideradas em si mesmas, é a base de todo o estudo linguístico. Digo isso porque já ouvi linguistas afirmarem que o estudo das línguas naturais é relativamente pouco interessante para o que entendem por “linguística”. É uma atitude que não apoio, e que considero fora da realidade.
Além desse estudo basicamente estrutural, a linguística também estuda a evolução histórica das línguas, as variantes que uma língua mostra segundo seu uso pelas diferentes classes sociais, as variantes regionais, o processo de aquisição da linguagem pelas crianças e vários outros aspectos da estrutura e do uso das línguas. Há também um esforço no sentido de descobrir os traços comuns a todas as línguas,com a idéia de que eles são evidência de aspectos da programação inata que nos permite adquirir e utilizar uma língua natural. Acrescente-se a tudo isso a procura de aplicações dos resultados da linguística à solução de problemas práticos, em especial ao ensino de línguas.
Entrevistadores – A linguística é ciência?
Perini – Acho que sim, em princípio, mas tenho restrições quanto à maneira como alguns linguistas entendem esse “status” de ciência. Talvez o melhor seria dizer: a linguística pode ser uma ciência, dependendo de como a praticarmos. Se é uma ciência, é sem dúvida uma ciência empírica, ou seja, empenhada em descrever um aspecto do universo e em construir teorias que expliquem os fenômenos descritos. Esses dois aspectos são fundamentais: não há ciência sem descrição sistemática de aspectos da realidade, e não há ciência empírica sem teorias que procurem explicar esses aspectos em termos mais gerais – sempre que possível, relacionando-os com teorias de outras ciências que se ocupam de aspectos correlacionados. São duas faces
de toda e qualquer ciência empírica, e uma não pode existir sem a outra, sob pena de prejudicar o caráter científico da atividade em questão.
Alguns linguistas atuais, entretanto, parecem convencidos de que é mais importante criar teorias do que descrever fatos de maneira sistemática, precisa e escrupulosamente fiel aos dados da observação. O resultado, a meu ver, é uma nãociência (para não ser malvado e dizer uma “pseudo-ciência”). Mas o problema não está no caráter da linguística; está na compreensão a meu ver falha que alguns linguistas têm do trabalho científico.
Uma atitude deletéria que observo na linguística atual é a de enfatizar a produção,discussão, crítica e releitura de textos teóricos (sejam recentes, sejam clássicos), sem uma ênfase paralela na sua validação frente a dados reais. Isso tende a reduzir a atividade linguística a uma crítica textual sem conteúdo empírico, e portanto não científica. Não estou dizendo que não se deva ler Saussure, Chomsky ou Pânini; mas é fundamental reconhecer que esses autores, e todos os outros, só têm relevância para a linguística moderna se puderem sugerir novos meios de abordar o estudo da realidade das línguas naturais.
Para resumir, a linguística é uma ciência na medida em que se ocupa sempre, em última análise, do estudo de dados reais, tirados do uso normal das línguas.
Entrevistadores – Para que serve a linguística?
Perini – A linguística, como toda ciência, serve para aumentar nosso conhecimento e nossa compreensão de alguns aspectos do mundo.
Por outro lado, ela pode ter aplicações (ver questão 8), mas estas não fazem parte de sua fisionomia fundamental; são decorrências acidentais. Mal comparando, ficamos muito felizes em saber que a química permite a criação de medicamentos; mas não se pode dizer que a química tem como objetivo a fabricação de remédios. O que a linguística faz, e o que faz dela uma ciência, é descrever e (na medida do possível)explicar o fenômeno da linguagem.
Entrevistadores – A linguística teria algum compromisso necessário com
a educação?
Perini – A linguística, como ciência, não tem compromisso com a educação. Já os linguistas, como cidadãos, devem ter, e geralmente têm, um grande compromisso com a educação. As principais aplicações do conhecimento linguístico se voltam para questões educacionais. Por isso, na prática, a linguística e a educação se ligam bem de perto. É mais ou menos como a relação que existe entre a física e a engenharia mecânica: a fabricação de máquinas não faz parte do objeto da física, mas conhecer física é essencial para um engenheiro mecânico.
Muitos linguistas se preocupam com as aplicações de sua disciplina a problemas educacionais, e podem mostrar alguns resultados importantes, notadamente na área do ensino de línguas estrangeiras. Já no que diz respeito ao conjunto de habilidades que se tenta transmitir sob o rótulo de “língua portuguesa”, as contribuições estão em grande parte ainda no reino das potencialidades. Acho que poderíamos dar uma contribuição significativa ao desenvolvimento de áreas como a aquisição da leitura
fluente, o ensino de gramática, o conhecimento da realidade linguística do Brasil e o desenvolvimento das habilidades de redação (“produção de textos”, no jargão atual).
Mas acho que pouca gente tem se dedicado intensivamente a esses problemas –em oposição à linguística aplicada ao ensino de línguas estrangeiras, que é uma área bem estabelecida, com seus especialistas próprios, revistas especializadas, programas de pós-graduação etc.
É preciso observar que quando se pensa em aplicação da linguística à educação é indispensável pensar em termos interdisciplinares. Digo isso porque tenho visto ocasionais tentativas de aplicação direta e crua de conceitos teóricos ao ensino, com resultados desastrosos. Posso citar, em tempos idos, a tentativa de criar uma metodologia transformacional de ensino de línguas, e atualmente a aplicação indevida dos estudos de universais linguísticos a problemas de sala de aula. Não se pode perder de vista que o ensino é uma questão didática, pedagógica, não linguística; e que o valor de uma metodologia se mede em termos de resultados, e não de inserção nas teorias do momento.
Eu gostaria de ver um número maior de linguistas de primeira linha ativamente engajados no desenvolvimento de aplicações da nossa ciência a questões educacionais – e gostaria igualmente de ver maior receptividade da comunidade escolar às inevitáveis inovações que daí resultarão.
Entrevistadores – Como a linguística se insere na pós-modernidade?
Perini – O que é “pós-modernidade”? Já vi esse termo empregado em diversos
sentidos, nenhum deles realmente interessante. Vou selecionar os três que me parecem mais comuns, para tentar relacionar cada um com a linguística de hoje.
Em um sentido, “pós-modernidade” se refere a um movimento que, me parece, tem como objetivo subordinar o trabalho científico a considerações de ordem ideológica, com o interesse de fazê-lo politicamente correto. Por exemplo, criticou-se o uso da noção de “comando” em sintaxe porque se trata de uma relação assimétrica, de base autoritária e não-democrática – não estou brincando, vi isso em um artigo na revista Natural language and linguistic theory, se não me engano de 1992. Ou podem negar a própria relevância do estudo da fonologia por ser desvinculado de aplicações
políticas. Tudo isso seria apenas ridículo se não fosse levado a sério por algumas pessoas bem intencionadas. Essa atitude, se levada adiante, é destrutiva, eu diria mesmo anti-intelectual. Posições políticas, por mais defensáveis que sejam, não são um substituto para o trabalho científico, baseado no respeito aos fatos e na tentativa de organizá-los dentro de teorias coerentes. Nesse sentido, a linguística (a que eu pratico e defendo) não se insere de maneira nenhuma na “pós-modernidade”.
No segundo sentido, parece que “pós-modernidade” se refere à tendência de
abandonar a ideia de ciências autônomas para concentrar atenção nas áreas
limítrofes, nas chamadas interfaces, negando-se às vezes a possibilidade de
estabelecer limites. Isso não me parece novidade: é provavelmente uma consequência inevitável do avanço do conhecimento. As áreas antes consideradas marginais vão se integrando, à medida que produzem resultados apreciáveis; por isso, hoje se estuda coisas como a psicolinguística, a sociolinguística, a análise do discurso, a pragmática etc., que eram muito pouco presentes nos programas quando fiz minha pósgraduação, nos anos 70. Acredito que os limites ainda estão aí, mas alguns deles estão menos nítidos, e pelo menos alguns podem não subsistir por muito tempo; isso só o tempo vai dizer.
Como disse, não há nada de realmente novo nesse processo: aconteceu sempre, e vai continuar acontecendo. É preciso encarar essa integração com espírito crítico, pois há uma tendência a aceitá-la sem exame pelo simples fato de estar na moda: a pesquisa linguística seria submetida a uma cláusula de interdisciplinariedade compulsória. Essa é uma posição ingênua, e aliás acontece que a maior parte do trabalho relevante em linguística ainda se faz dentro das áreas e subáreas tradicionais. Mas não há dúvida de que o processo de integração é real; para dar um exemplo que afeta o meu trabalho, hoje é difícil justificar um trabalho em sintaxe e semântica sem levar em conta os resultados da ciência cognitiva. Só gostaria de enfatizar que para isso é preciso saber muito bem sintaxe, semântica e ciência cognitiva.
Um terceiro sentido de “pós-modernidade” eu detecto na tendência, mais observável no campo da análise do discurso, de adaptar à linguística certas ideias sobre ciência em geral, às vezes conhecidas sob o rótulo de “construtivismo social”. Em princípio,essa vertente enfatiza o componente pessoal da atividade científica, e varia em grau de radicalismo. Alguns autores apenas apontam que o cientista é um ser humano, e que suas crenças e desejos podem influenciar seu trabalho; já outros autores chegam a posições extremas, como a de negar que o conhecimento objetivo seja possível,porque (segundo eles) a realidade não é acessível à cognição humana – ou mesmo que a realidade não tem existência objetiva, sendo um construto da mente humana. A primeira dessas posições é, a meu ver, verdadeira, mas bastante óbvia. Já quanto à segunda, o mínimo que posso dizer é que é auto-destrutiva: se a realidade não existe, então as ideias desses autores (assim como os próprios autores) também não existem, e onde é que vamos parar?
Não encontrei, na literatura linguística, tentativas sistemáticas de aplicar essas ideias radicais de construtivismo social; em geral, o que se encontra é apenas uma leitura e releitura infindável de textos, um diálogo inteiramente intrateórico e, como é inevitável, empiricamente estéril. O texto “linguístico” degenera em um exercício de estilo, com uma procura constante de palavras e construções inusitadas, com o objetivo evidente de causar efeito; o conteúdo é totalmente secundário. O apelo aos dados é esporádico e puramente ornamental, e as conclusões são atingidas sem argumentação verdadeira. Como já foi apontado, esses textos têm mais em comum com a pregação religiosa do que com a argumentação científica. Aqui não posso deixar de citar um comentário de Peter Medawar (biólogo britânico – mas nascido em Petrópolis! –, prêmio Nobel de Medicina) que viu no estilo desses autores “uma certa semelhança com um balé, em que se faz uma pequena pausa de tempos em tempos, em poses bem estudadas, à espera de uma explosão de aplausos”. [in Dawkins, R. O capelão do diabo, p. 90]
É interessante observar que esses autores, que negam explicitamente a possibilidade do conhecimento científico tal como se entende usualmente, não deixam de utilizar (em geral inadequadamente) noções e termos da ciência estabelecida. Vêm daí as frequentes alusões à física quântica e as críticas ao “paradigma newtoniano” – noções que não se aplicam à linguística, e que parecem ser utilizadas sem conhecimento de seu significado nas áreas originais.
Como disse, a análise do discurso, aliás uma área perfeitamente respeitável da linguística, é a que tem sido mais seriamente afetada por esse tipo de problema. Em vez de estudar as condições de produção do sentido no discurso, as eventuais interações entre as estruturas gramaticais e as condições de uso das mesmas, a coesão e coerência dos textos, as regras de retomada anafórica e outros temas que só podem ser abordados no âmbito do discurso, algumas pessoas se desviam para estudos literários (novamente uma área respeitável, mas profundamente infectada por ideias não-científicas), ou para a verborreia pura e simples.*
*Falta um pequeno trecho da entrevista, não publicado aqui por falta de espaço. Para ler a entrevista na íntegra, acessar o link abaixo:
http://revel.inf.br/site2007/_pdf/17/entrevistas/revel_14_entrevista_perini.pdf
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
MATERIAIS DOS MINICURSOS OFERECIDOS PELA ABRALIN NESTE ANO
Acesse o link abaixo para baixar materiais dos minicursos que a ABRALIN
ofereceu no início deste ano!!!
https://sites.google.com/site/abralincurtiba2011/materiais-dos-minicursos-do-xx-instituto
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
SOBRE PSICOLINGUÍSTICA...
Data dos anos cinquenta do século XX – cf. o volume organizado por Osgood e Sebeok (1954) – aquilo a que se poderia denominar o “acto de nascimento”/a “certidão de baptismo” de um novo domínio interdisciplinar: a psicolinguística (PL). Slama-Cazacu (1972, p. 14) lembra ainda, contudo, que já em 1951 se tinha realizado, na Universidade de Cornell, sob a égide do Social Science Research Council, um seminário que contou com a presença de especialistas de psicologia e de linguística e que tinha em vista clarificar as relações entre as duas ciências. Bronckart et alii (1983, p. 268), por sua vez, apontam 1952 como sendo a data da fundação oficial da psicolinguística, “criada” por Osgood, Carroll e Miller.
O objecto de estudo em questão – a saber: a linguagem, a comunicação –, em virtude da variedade de aspectos que abrange, desencadeou a necessidade de se proceder a uma abordagem que apostasse em perspectivas complementares. Surge desta forma uma nova ciência em resultado dos desafios lançados pelos novos modos de encarar esse objecto de estudo.
Não surpreende, portanto, que a 1 de Dezembro de 1953, data do prefácio à monografia “Psycholinguistics. A survey of theory and research problems”, organizada por Osgood e Sebeok (1954), os autores o concluam nestes moldes: “Aussi c'est avec quelque inquiétude que nous offrons ce plan grossier de ce qui devient un important sujet de recherche – la psycholinguistique” (Slama-Cazacu, 1972, p. 39).
Convirá, desde já, trancrever a definição (de trabalho) que era então proposta para a psicolinguística: “«psycholinguistics deals directly with the processes of encoding and decoding as they relate states of messages to states of communicators»” (Osgood e Sebeok, orgs., 1954, p. 4, cit. por Slama-Cazacu, 1972, p. 14.)
Com efeito, o termo “psicolinguística”, que se considera de um modo geral cunhado nos anos cinquenta do século XX e com origem nos Estados Unidos, “refletiu uma necessidade real na evolução das ciências” (Slama-Cazacu, 1979, p. 35). Poderá concluir-se, com Slama-Cazacu, que “não foi apenas um nome que ensejou uma disciplina nova” (Slama-Cazacu, 1979, p. 35). Quer isto dizer que na primeira metade do século XX, e já mesmo no século XIX (cf. Slama-Cazacu, 1972, pp. 11 e ss.; 1979, pp. 34 e ss.), a linguagem, por força da complexidade que lhe era própria, merecera já uma atenção muito particular na Europa por parte de variados estudiosos. Acontece, porém, que no volume organizado por Osgood e Sebeok (1954), conforme lembra Titone (1979, p. 22), “La psycholinguistique y apparaissait mieux définie dans son concept essentiel, dans ses méthodes et dans ses limites. ”
Após a segunda guerra mundial, sentia-se que era urgente constituir uma nova disciplina. Segundo Slama-Cazacu (1972, p. 14), “Quand notre siècle fêtait son cinquantenaire, cette idée était donc «dans l'air».” O facto de algo «estar no ar» justifica também de certa forma a imagem usada por esta autora e por Titone quando se referem, em obras distintas, aos anos cinquenta do século passado como sendo os anos da adolescência desta disciplina. Slama-Cazacu (1972, pp. 7-8) afirma: “La psycholinguistique, en vérité, n'est pas seulement jeune: elle possède les traits de l'adolescence.” Por sua vez, em Titone (1979, p. 22) lê-se: “La psycholinguistique devint adolescente à la publication des actes d'un célèbre symposium qui se tint à l'Université de l'Indiana (1953), et édités par un psychologue et un anthropologue linguiste, Osgood et Sebeok (1954).”
Não é pois de admirar que o percurso que se possa vir a traçar da Psicolinguística (PL) a partir do seu surgimento “oficial” (Osgood e Sebeok, orgs., 1954) não se apresente despojado de conflitos que, na continuidade da imagem que é avançada por Slama-Cazacu e por Titone, também afectariam fases de crescimento para lá dos próprios da adolescência. Efectivamente, o quase meio século de existência oficial da PL espelha o traçado de um domínio de pesquisa que, depois de ter vivido épocas marcantes em termos de escolas/gerações (“stages”, nas palavras de Titone, 1995, p. 42) defensoras de perspectivas teóricas distintas (mais ou menos preponderantes do ponto de vista psicológico ou linguístico, não excluindo a importância por vezes conferida ao contexto social da linguagem e da comunicação), chega curiosamente aos nossos dias também com a designação de “multidisciplinarily connected science” (Slama-Cazacu, 1995). Slama-Cazacu afirma mesmo que “«Future Psycholinguistics (and the present one included) will be multidisciplinarily connected, or it will not exist at all».” (Slama-Cazacu, 1995, p. 10).
Assumir a PL nas suas conexões multidisciplinares, ou seja, “involved due to the form (oral/written) of communication and to the channels or instruments used for conveying it” (Slama-Cazacu, 1995, p. 18), implica questionar o grau de alcance da interdisciplinaridade (linguística e psicológica) que sempre defendeu como garante da sua autonomia, bem como repensar a actualidade dessa mesma interdisciplinaridade (cf. Slama-Cazacu, 1979, p. 37; 1995, p. 13).
Se a PL se apresenta hoje como uma “multidisciplinarily connected science” torna-se quase compulsivo adoptar uma posição segundo a qual a PL e a Psicolinguística Aplicada (PLA) se devem entender numa complementaridade que surge como um necessário. A este respeito, Slama-Cazacu (1979, p. 37) avança: “(...) ligamos a PL teórica e as pesquisas fundamentais a uma PLA, por nós desenvolvida de forma tentativa e que procuramos fazer desenvolver ainda mais.” E Prucha (1994, p. 150) acrescenta: “Provided we accept the concept which has been developed by some European psycholinguists (...) as the base of psycholinguistic research, then the applicability is included as an inherent quality of psycholinguistics.” (Ver igualmente sobre este tópico Mininni e Stame, 1994, p. 10.)
Uma tal concepção da PL obriga a que se (re)conheçam as áreas que com ela partilham o interesse pelo que se passa nos processos de codificação e descodificação de mensagens das mais diversas índoles, tendo em consideração “a situação real da comunicação no contexto relacional e dinâmico das trocas entre emissor(es) e receptor(es)” (Slama-Cazacu, 1979, p. 62). Esta tomada de posição requer também que se esteja atento aos avanços gerais de ordem teórica e tecnológica no sentido de se tirar o maior partido de tais abordagens multidisciplinares. (No tocante à(s) (novas) tecnologia(s), ver, entre outros: Slama-Cazacu, 1979, p. 65; Mehler e Noizet, 1974, p. 22; Pinto, 1999; Journal of Psycholinguistic Research, 30 (3), 2001.)
De entre as áreas de pesquisa sobre as quais recaem as aplicações da PL, poderão destacar-se, a título exemplificativo, a compreensão e produção do discurso, a aquisição da língua materna, a aprendizagem de línguas estrangeiras, a linguagem e a educação, os aspectos não-verbais da comunicação, a tradução, a semiótica numa perspectiva psicolinguística, o bilinguismo/plurilinguismo, a linguagem e o poder, os distúrbios e a terapêutica da linguagem, a análise do texto literário, as tecnologias da fala e os modelos da comunicação humana, os meios de comunicação de massas, as novas tecnologias e a comunicação verbal, etc. (ver, entre outros: Slama-Cazacu, 1994, p. 207; Slama-Cazacu, 1995; Pinto, 1999, pp. 1-5; Pinto et alii, orgs., 1999; Zafiu, 2001). Realçaria neste contexto a preocupação, no âmbito do método dinâmico-contextual de Slama-Cazacu (1972, 1979, 1984), de considerar a análise dos textos literários quando se referem as áreas de aplicação da PL (ver ainda: Mey, 1994; Scliar-Cabral, 1988a, 1988b, 1989, 1991a, p. 152, 1991b, 1991c, 1992), e o facto de Slama-Cazacu (1979, p. 71) insistir nos benefícios advenientes para a estilística das análises e dos experimentos psicolinguísticos.
Algumas das áreas enumeradas possuem naturalmente um objecto de estudo próprio; no entanto, lucrarão por certo se vierem a ser também abordadas de um ponto de vista psicolinguístico. Gera-se, assim, como sugere Slama-Cazacu (1995, p. 20), “a «dynamic» analysis from both sides por um lado, a PL dando mais atenção à relação que mantém com outras áreas, e, por outro lado, essas áreas reconhecendo que podem convergir para a PL, beneficiando com esse movimento: centrifugal and centripetal, when taking Psycholinguistics as a reference point.”
A perspectiva até aqui esboçada remete para o método psicolinguístico defendido por Slama-Cazacu, o já referido método dinâmico-contextual (Slama-Cazacu, 1972, p. 155), atendendo ao cunho explicativo da disciplina em causa (Slama-Cazacu, 1979, p. 63) e ao seu interesse pela aplicação das generalizações a que chega (Slama-Cazacu, 1979, p. 63). Na verdade, para esta autora “o objeto da PL inclui a mensagem, mas o estudo da mensagem implica a necessidade de se tomar em conta, como ponto de partida, a situação real da comunicação no contexto relacional e dinâmico das trocas entre emissor(es) e receptor(es), por seu turno, determinadas pelo conjunto situacional, pelo contexto compreendido tanto stricto sensu quanto em sua acepção mais ampla” (Slama-Cazacu, 1979, pp. 61-62). (Relativamente ao contextualismo, ver Moerk, 1994.)
Esta opção pelo objecto e metodologia focados confere à PL a autonomia que sempre buscou para se impor enquanto domínio/área/disciplina/ciência (cf., entre outros: Bronckart, 1977, pp. 279-294; Bronckart et alii, 1983, p. 272; Slama-Cazacu, 1979, p. 37, e 1995, pp. 11 e ss.).
Considerar a PL uma “unitary science” (Slama-Cazacu, 1995, p. 13), “a truly interdisciplinary endeavor” (Slobin, 1979, p. 2), traduz sem dúvida a forma mais adequada de a assumir. De resto, a PL surge, em parte, para efectuar uma abordagem distinta da até então levada a cabo pela psicologia da linguagem (Bronckart, 1977, p. 249). Deve pois ler-se com precaução toda e qualquer passagem em que se veja identificada a PL (“approche du comportement langagier intégrant les analyses formelles de la linguistique aux modèles psychologiques, tant pour la formation des objectifs de recherche que pour l'interprétation des données expérimentales.” (Bronckart, 1977, p. 249)) com a psicologia da linguagem (“cette (…) discipline est centrée essentiellement sur le langage en tant que conduite, ou comportement, et elle l'analyse en se référant exclusivement aux modèles de la psychologie générale.” (Bronckart, 1977, p. 249)). Slama-Cazacu refere em 1985, p. 507: "My own opinion, which I have expressed since the 1960s (...), is that Psychologie du langage (...) and Psycholinguistics are two different names, for two different fields: the first being an area (a branch) of Psychology, the second being an interdisciplinary field, an autonomous discipline (neither a branch of linguistics nor a branch of psychology)." (Ver ainda: Battacchi, 1964, referido por Slama-Cazacu, 1972, pp. 135-137; Slama-Cazacu, 1972, p. 23, e 1983, pp. 373 e ss.)
Todavia, essa “identificação” pode ser vista, por exemplo, em Jakobson (1969, referido por Slama-Cazacu, 1985, p. 506; 1970, referido por Slama-Cazacu, 1972, p. 72), em Titone (1979, p. 20), em Hörmann (1971, referido por Slama-Cazacu, 1985, p. 506), e, de uma certa maneira, no próprio título da obra de Foss e Hakes (1978).
De um modo extremamente lúcido, Fraisse (1963) interroga-se sobre o que pode ter de moderno o termo “psycho-linguistique”. E acaba por acrescentar que não pensa que esse termo queira unicamente substituir “psychologie du langage” ou “langage et pensée”. Para o autor, está antes em causa o “développement d'un secteur nouveau de recherches et de préoccupations qui a pour origine le développement parallèle et complémentaire de la linguistique et de la psychologie” (Slama-Cazacu, 1972, p. 55).
Por sua vez, Mehler e Noizet (1974, p. 7) afirmam a este propósito: “Psychologie du langage, psychologie linguistique, psycholinguistique, il peut paraître vain de substituer un terme à un autre pour désigner un champ de recherche qui (...) reste fondamentalement le même. (…) Mais un changement d´étiquette peut signifier aussi une transformation ou un renversement des relations entre disciplines voisines. De ce point de vue, chacun est conscient de l'importance fondamentale (...) de la conception que l'on se fait des relations entre psychologie et linguistique.” Afirmam ainda estes autores que toda a história da PL poderia assentar na história das relações entre a psicologia e a linguística.
Que se passava então antes do surgimento da psicolinguística, na qualidade de disciplina nova?
O interesse pelo estudo da linguagem já existia obviamente antes dos anos cinquenta e a consciência de que a linguagem era um objecto cuja complexidade exigia uma abordagem interdiscipinar também se fazia sentir. Acontece no entanto que, à altura, nem a psicologia apresentava a metodologia mais adequada ao objecto de estudo em apreço, nem a linguística tinha dado os passos imprescindíveis à compreensão da língua como sistema (ver Slama-Cazacu, 1979, pp. 34 e 35). Até aos anos cinquenta do século XX, isto é, até ao surgimento “oficial” da PL nos Estados Unidos, dando assim origem à designada primeira geração/escola da PL, os estudos no âmbito da psicologia da linguagem eram dominados, segundo Slama-Cazacu (1979, p. 5), “por um método de análise especulativa, impressionista, mais «filosofia» da linguagem que pesquisa experimental e exata dos fatos concretos.” Quanto aos estudos no âmbito da linguística, estes não tomavam como objecto o discurso. O “fenómeno da comunicação” saía assim empobrecido nas duas perspectivas (cf. Slama-Cazacu, 1979, p. 6). (Ver também Titone, 1979, pp. 28 e 29.)
A psicologia e a linguística não evidenciavam então a maturidade suficiente para estabelecerem a colaboração desejada e para delinearem os objectivos pretendidos (cf. Slama-Cazacu, 1979, p. 34). Mas a PL como disciplina/ciência devia corresponder a um relacionamento franco, em que ambas as disciplinas/ciências (psicologia e linguística), não perdendo a sua autonomia, congregassem esforços no sentido de analisar um objecto com implicações nos dois domínios. Reveste-se de oportunidade transcrever a este respeito a seguinte passagem extraída do prefácio à obra de Osgood e Sebeok (orgs., 1954), datado de 1 de Dezembro de 1953: “Le développement de tout nouveau champ interdisciplinaire doit en fin de compte dépendre de jeunes chercheurs qui réunissent dans un même système nerveux les méthodes des deux sciences” (Slama-Cazacu, 1972, p. 39). Por sua vez, Slama-Cazacu (1979, p. 35) recorda que os pesquisadores que se dedicavam então a estudos de ordem psicolinguística não apresentavam, em regra, uma dupla formação em linguística e em psicologia. Por outras palavras, poderiam ter sido realizados estudos conjuntos apoiados na colaboração entre psicólogos e linguistas mas raramente por investigadores com dupla formação, capazes de olhar o objecto numa “fusão interdisciplinar” (Slama-Cazacu, 1979, p. 35. Ver ainda Slama-Cazacu, 1972, p. 122.).
A recolha de dados e a sua interpretação constituem a metodologia que se deve preconizar para esta nova disciplina. Trata-se, como sublinha Slama-Cazacu (1972, pp. 156-157), de uma metodologia explicativa em que os dois aspectos (recolha e interpretação) não podem estar dissociados. Desta maneira, não podemos esperar da PL uma simples descrição dos fenómenos linguísticos. Observação e experimentação constituem os métodos de que esta disciplina se deve socorrer (Slama-Cazacu, 1979, p. 65).
A psicologia e a linguística, sobre as quais veio a assentar a primeira escola de PL, ofereciam condições basicamente diferentes das existentes antes da segunda guerra mundial (Slama-Cazacu, 1972, pp. 13 e 14). O aparecimento da PL nos anos cinquenta permite-lhe tomar já como ponto de partida a linguística estrutural, uma psicologia que se poderia dizer renovada (“après le Gestaltisme (mais sans l'oublier), après les critiques adressées au behaviorisme, après le développement de la psychologie matérialiste (...), bénéficiant de l'efflorescence de l'esprit interdisciplinaire, du remaniement du système général des sciences par l'apparition des disciplines «de frontière».” (Slama-Cazacu, 1972, p. 14)) e a teoria da informação, esta última considerada por Slama-Cazacu (1972, p. 121) um auxiliar da PL – uma vez que se encontra implicada tanto na psicologia como na linguística moderna – e não um fundamento (teórico) da PL como ressaltaria da monografia organizada por Osgood e Sebeok em 1954 (ver também Slama-Cazacu, 1972, pp. 14 e 15).
A primeira escola de PL, dita “explícita” por Bronckart (1977, p. 250), centrava-se, segundo o autor, “sur les processus de comunication, qu’elle analisait en s’inspirant à la fois de la linguistique structurale (...) et de la théorie de l’information”. Para Bronckart (1977, p. 250), a importância conferida à função comunicativa da linguagem por parte desta escola justifica e em parte também explica o recurso à teoria da informação. Além disso, como acrescentam Bronckart et alii (1983, p. 270), esta primeira escola de PL insere-se no contexto skinneriano. Apesar de nela se ver introduzida a noção de mensagem, comentam os autores que essa inovação não foi suficiente, na medida em que não foram analisadas as categorias linguísticas e suas relações com o sentido, nem as interacções sociais (Bronckart et alii, 1983, pp. 270 e 271). Mehler e Noizet (1974, p. 10) adiantam que a PL da primeira geração mostrar-se-ia insuficiente sobretudo para aqueles que achavam que nunca existiria ciência da linguagem na ausência de uma teoria da linguagem.
Em meados dos anos cinquenta, os trabalhos de Chomsky iriam pôr em causa a primeira escola de PL graças a um modelo linguístico que apresentava uma axiomática da sintaxe assente em noções mais concretas e mais ricas do que as propostas até então neste âmbito (Mehler e Noizet, 1974, p. 12). Nesta proposta de Chomsky, o que se revela mais importante, de acordo com estes autores, é o facto de se verificar que “Chomsky engageait la recherche en sciences humaines dans des directions méthodologiques qui allaient se montrer très fructueuses” (Mehler e Noizet, 1974, p. 12).
Estavam em causa, de acordo com a mesma fonte, uma redefinição da sintaxe, que passava a ser generativa, mas sempre independente do sentido, e uma redefinição do conceito de regra gramatical. Tratava-se de uma gramática que não só procurava ter em conta a criatividade da linguagem mas que também era capaz de fornecer uma descrição estrutural de todas as frases geradas (Mehler e Noizet, 1974, p. 12). Dois níveis linguísticos passam assim a existir: um nível de base e um nível de superfície, ambos abstractos. Dito de outra forma, o pesquisador em ciências humanas colocava-se agora, no dizer de Mehler e Noizet (1974, p. 13), numa posição semelhante ao pesquisador que trabalha, por exemplo, em física teórica. O salto qualitativo em termos de mudança de orientação era incontestável. De facto, como continuam os autores mencionados, “C'est que la construction d'un modèle formel donne l'espoir d'assurer la cohérence de l'observable, et de le faire d'une manière qui permette le contrôle par l'expérience. Aucune taxonomie des faits ne peut aboutir à ce résultat” (Mehler e Noizet, 1974, p. 13).
Emana desta orientação uma forte influência da linguística sobre a PL. O psicólogo passa a usufruir de um instrumento, de um modelo, em que se poderá apoiar para explicar o comportamento real do locutor, a nível da produção, da percepção, da compreensão e também no tocante aos processos de armazenagem e de aquisição (Mehler e Noizet, 1974, p. 14). Trata-se de uma leitura de ordem hipotético-dedutiva. A realidade psicológica da gramática generativa passa a constituir uma interrogação que acompanha o pesquisador, tomando como base, segundo Mehler e Noizet (1974, p. 14), um modelo com carácter previsivo.
Desenha-se assim um terreno de pesquisa no qual actuam, por um lado, os linguistas que se dedicam à construção do modelo e seu aperfeiçoamento, e, por outro lado, os psicólogos que vão mostrar a sua validade a nível de comportamentos. Na sequência desta posição, convirá referir, seguindo a mesma referênca bibliográfica (Mehler e Noizet, 1974, p. 15), as noções chomskyanas de competência (“ savoir de la langue, inhérent à tout locuteur”) e de “performance” (“usage différencié que [o locutor] en fait dans des situations concrètes”).
A construção do modelo de competência do locutor fica assim a cargo do linguista. E, como adiantam os autores focados, resta ao psicolinguista validar os modelos de competência, verificar a sua realidade psicológica, restringindo-se assim à “performance”. Contudo, segundo Mehler e Noizet (1974, p. 16), “La performance ne peut donc pas être prise pour un reflet direct de la compétence.” A par da distinção entre competência e “performance”, torna-se necessário salientar a distinção entre sujeito ideal e sujeito real. Existe, com efeito, uma distância entre estes dois sujeitos e o comportamento do locutor implica limitações de ordem psicológica. Não supreende pois que os estudiosos referidos (Mehler e Noizet, 1974, p. 18) na sequência do exposto alertem para o facto de ser mais correcto falar de modelos ou sub-modelos de “performance” do que de um simples modelo de “performance”.
Nesta óptica, o psicolinguista da segunda geração encontra-se muito mais ligado à linguística, pelo que se afigura pertinente citar a seguinte passagem de Mehler e Noizet: “En transposant la célèbre formule de Piaget, on pourrait dire que face à la grammaire générative se constituant comme axiomatique du langage, la psycholinguistique se posait comme la science expérimentale correspondante” (Mehler e Noizet, 1974, p. 17).
Nesta linha de pensamento, Foss e Hakes (1978, p. 18) afirmam que a tarefa principal da PL consiste em “Developing a theory of linguistic performance, a theory of the psychological processes involving language”, entendendo os autores que a teoria da “performance” “describes the psychological processes involved in using our linguistic competence in all the ways that we actually can use it — in producing utterances, in understanding them, in making judgments about them, and in acquiring the ability to do these things.”
Atendendo à perspectiva epistemológica de Chomsky, que defenderia o carácter inato das estruturas da língua, a sua especificidade e o seu carácter racional, Bronckart et alii (1983, p. 270) observam que tal perspectiva se inscreve na concepção então em voga do “tout biologique”, o que remete para um acentuar da tónica sobre os aspectos representativos e estruturais da linguagem (cf. Bronckart et alii, 1983, p. 271) em detrimento das relações que a língua deve manter com o contexto e com as situações de enunciação. Não será pois de estranhar que Foss e Hakes (1978) refiram que os que estudam a estrutura e os processos mentais se designem por psicólogos cognitivos e que consequentemente se possa considerar a PL um ramo da psicologia cognitiva (cf. Foss e Hakes, 1978, p. xiii). Estava assim aberta a vertente cognitivista que iria caracterizar certos estudos psicolinguísticos subsequentes.
De uma forma que não deixa de ser interessante, Bronckart (cf. Bronckart et alii, 1983, p. 271) vê semelhanças entre o behaviorismo linguístico e a gramática generativa e afirma que uma das suas características comuns consiste em não problematizar devidamente a interacção entre o organismo e o meio. O autor acrescenta ainda: “Dans les deux cas, la démarche revient à réduire le langage à un seul de ses aspects, d'ailleurs appauvri: la communication ou épisode verbal chez Skinner, la représentation (au sens pré-saussurien) chez Chomsky” (Bronckart et alii, 1983, p. 271). Por outro lado, é interessante realçar como a designada revolução chomskyana se processa na continuidade dos métodos já usados na psicologia experimental (cf. Bronckart et alii, 1983, p. 271).
A segunda geração da PL prepara assim o terreno para os que vêem com dificuldade a realidade psicológica do modelo linguístico generativo e com apreensão a sua validação.
Começa então a configurar-se nos anos setenta (cf., de uma forma muito especial, Bever, 1970) uma nova abordagem (funcionalista) que não só se apoia na estrutura formal da língua mas também no uso que dela faz o que a utiliza (Mehler e Noizet, 1974, p. 18). Trata-se de uma abordagem que viria a dar origem à terceira geração da PL – de que somos ainda hoje continuadores –, que passa a colocar a tónica nas estratégias (estratégias perceptivas) utilizadas pelo sujeito no processamento da informação linguística (cf. Mehler e Noizet, 1974, p. 19).
Quando Slama-Cazacu dedica, em 1983 e em 1985, algum espaço ao termo “psicolinguística”, diz, a dado passo do artigo de 1983, que, quando lhe solicitaram que escrevesse sobre o tópico “New methods in linguistic research”, achou então que termos como “Psychology of language” ou “Psychological linguistics” não seriam os mais adequados ao novo campo de pesquisa: a PL. Para a autora, ambos os termos evocavam tanto uma psicologia como uma linguística obsoletas e ela defendia que esse novo domínio devia ser autónomo e não devia pertencer em exclusivo nem à psicologia nem à linguística (Slama-Cazacu, 1983, p. 373). Ao adoptar o termo “Psicolinguística”, a autora queria evidenciar que a PL americana não era a única PL, mas unicamente uma das tendências possíveis desta disciplina. Por outros termos, para Slama-Cazacu, “(our own approach being opposed to American PL both of the «first generation» — the behaviouristic one – and of the «second generation» – of the 60s, based on the generative-transformational linguistics).” (Slama-Cazacu, 1983, p. 373).
Em parte, a terceira geração da PL acaba por integrar-se (cf. Bronckart et alii, 1983, p. 271), em alternativa às duas primeiras escolas, no conjunto de correntes que vêem na linguagem um sistema que toma forma e se especifica nas interacções sociais.
Em termos de relação, de influência, de dependência entre a psicologia e a linguística, verifica-se agora a existência de uma via que dá corpo a uma psicologia linguística, até mesmo a uma linguística psicológica, nos termos de Mehler e Noizet (1974, p. 19).
O enquadramento da psicologia linguística (da Psicolinguística) – para uma leitura crítica sobre a terminologia relacionada com este domínio de pesquisa, ver Slama-Cazacu (1985, pp. 508-509) – na psicologia cognitiva não se deixa por isso esperar. Por um lado, o comportamento verbal, como afirmam os autores citados, deixa de ser olhado isoladamente e passa a ser visto no interior dos processos cognitivos mais gerais; por outro lado, a psicologia linguística (a Psicolinguística), ainda de acordo com os mesmos estudiosos, “rétablit les liens avec la réflexion biologique” (Mehler e Noizet, 1974, p. 20).
Nos anos oitenta, de acordo com Bronckart et alii (1983, p. 273), a PL encontrava-se dividida em duas opções: a primeira dispunha de todo o rigor científico “mais se donne des objets d'étude dont le rapport avec le langage doit être démontré”; a segunda tomava a seu cargo pesquisas que se baseavam no funcionamento real da linguagem, tanto no aspecto representativo como comunicativo, em detrimento contudo do rigor experimental.
Por sua vez, a denominada PL da criança (“psycholinguistique de l'enfant”) procuraria, segundo os autores em questão, considerar a linguagem quer como instrumento de representação, quer como utensílio de comunicação (Bronckart et alii, 1983, p. 273). Neste domínio, como noutros, uns especialistas privilegiam certas posições e outros outras (ver Bronckart et alii, 1983, pp. 274 e ss.). Na medida em que ainda se revestem de grande actualidade, afigura-se interessante transcrever, no que respeita às teorias linguísticas, as seguintes palavras dos autores: “les uns rejetant toute formalisation linguistique, les autres acceptant le modèle chomskyen pour des raisons d'essentialité et d'universalité, les derniers enfin adhérant aux théories de l'énonciation” (Bronckart et alii, 1983, p. 275).
Variados modelos de processamento são então construídos e aplicados – com vista à sua validação e aperfeiçoamento – à compreensão e produção verbais (normal e patológica, tanto no adulto como na criança) e à leitura e à escrita (normal e patológica, quer no adulto quer na criança), com vista a uma compreensão cada vez mais profunda do fenómeno psicolinguístico. Estudos de ordem neurolinguística e neuropsicológica (cognitiva) passam a estar também na ordem do dia (cf., entre outros: Caplan, 1987, 1992; Coltheart et alii, 1980; Coltheart et alii, 1987; Howard e Hatfield, 1987; Patterson et alii, orgs., 1985). Os modelos vão-se adaptando a diferentes metáforas que se pretendem cada vez mais próximas da realidade (biológica?): a arquitectura do computador e a arquitectura neuronal podem ser dadas como exemplos dessas metáforas (ver, entre outros: Howard e Hatfield, 1987, pp. 97-107; McClelland, Rumelhart and the PDP Research Group, 1986; Rumelhart, McClelland and the PDP Research Group, 1986; Cognition, 28 (1-2), 1988).
A reacção a posições psicolinguísticas que privilegiavam ou a psicologia ou a linguística só poderia passar a vir daqueles que partiam em defesa de uma PL autónoma, na qualidade de ciência unitária, “in which Linguistics and Psychology have already melted together” (Slama-Cazacu, 1995, p. 13), ou seja “an «interdisciplinary science»” (Slama-Cazacu, 1995, p. 13). E se a PL for identificada com uma ciência da comunicação (ver título da obra de Slama-Cazacu, 1999), nesse caso o objecto é vasto e o recurso a outros domínios, disciplinas, áreas, ciências, ou actividades envolvidas na comunicação não pode ser escamoteado (cf. Slama-Cazacu, 1995, p. 13). (Sobre a comunicação e o século XX, ver Foss e Hakes (1978, p. xii) e Oléron e Legros, 1994, p. 85.)
Para Bronckart et alii (1983, p. 272), a PL (da criança) também se quer autónoma e, como referem, para que o estudo seja propriamente psicolinguístico, entre outros princípios, deve ter em consideração o “fonctionnement de locuteurs réels” em contextos definidos, com tudo o que isso pode naturalmente implicar.
Quanto ao termo “psicolinguística”, este surge na literatura enquanto categoria nome e enquanto categoria adjectivo. Slama-Cazacu, num seu trabalho de 1965, supunha que estava a traduzir do inglês para o romeno um termo americano-inglês e que dessa forma o termo estaria a ocorrer pela primeira vez na Roménia (ver Slama-Cazacu, 1985, p. 508). Na qualidade de designação de domínio de pesquisa, o termo não ocorrera na verdade antes em romeno; contudo, como adianta a autora, já teria sido usado como adjectivo por um autor romeno nos anos vinte (Slama-Cazacu, 1985, p. 508). De acordo com esta autora, o linguista romeno Ovid Densusianu (1873-1938), que em 1925 participou na organização do 1.º Congresso de Filólogos Romenos, cujas actas datam de 1926, escreveu então um artigo (Densusianu, 1926) onde ocorre o adjectivo "psico-linguístico". Não se sabe muito bem, como adianta Slama-Cazacu, se terá sido escrito propositadamente com hífen ou se o hífen terá resultado da translineação operada no texto por necessidade tipográfica. De qualquer forma, a autora pensa que muito provavelmente as actas do referido congresso terão tido a divulgação devida e que, por isso, o termo terá circulado e terá vindo a ser conhecido (cf. Slama-Cazacu, 1985, p. 509). A título de curiosidade, acrescentaria que Slobin (1979, p. 2) chama a atenção para o nome híbrido do campo e escreve “PSYCHO-LINGUISTICS” (com hífen), muito embora prossiga afirmando “thus reflects a truly interdisciplinary endeavor”.
No entender de Slama-Cazacu (Slama-Cazacu, 1985, p. 508), nem mesmo Pronko (1946), com o seu artigo “Language and psycholinguistics. A review” terá sido quem escreveu pela primeira vez o termo (ver Titone, 1979, p. 22). A autora acrescenta ainda que Pronko trabalhou na Universidade de Indiana, a universidade onde se realizou o 1.º Summer Seminar of Psycholinguistics (1953), seminário que foi precedido por um outro na Universidade de Cornell em 1951, no qual o termo “psycholinguistics” não teria aparecido referido. Por outro lado, recorda a mesma autora (Slama-Cazacu, 1985, p. 509) que, no seminário de Indiana, estiveram igualmente presentes estudiosos europeus e menciona ainda o facto de Sebeok, linguista da Universidade de Indiana directamente envolvido no encontro, ter estudado na Europa até 1937. Ora, Sebeok, segundo Slama-Cazacu (1985, p. 509), referira que ele e Osgood “«used the term a lot and were principally responsible for its propagation»”, não obstante também reconhecer que “«this expression was in use in the Francophone literature»”.
Estas observações conduzem pura e simplesmente a que se considere de um modo crítico a criação americano-inglesa do termo “psicolinguística” (psycholinguistics) pelo grupo de Osgood e Sebeok e com alguma atenção a sua formação lexical (cf. Slama-Cazacu, 1985, pp. 508 e 509).
No que toca ao termo “psicolinguística”, concluiria com as palavras de Slama-Cazazu: “It is also possible, however, that the use of the term psycholinguistics twenty years later in the USA se se tiver em conta a ocorrência do adjectivo na obra de Ovid Densusianu em 1926 was a mere coincidence. The fact is all the same more than «interesting», and I think it should enter the history of the discipline of psycholinguistics and of linguistics itself” (Slama-Cazacu, 1983, p. 380; 1985, p. 509).
Acrescentaria que os dois trabalhos de Slama-Cazacu (1983, 1985) aqui citados e dedicados ao termo “psicolinguística” resultaram em parte de contactos entre a autora e alguns estudiosos neles referidos, nomeadamente Jakobson e Sebeok. Essa forma de viver a PL explica em certa medida as seguintes palavras de Slama-Cazacu, escritas em Janeiro de 1970, em guisa de resposta a Sebeok: “Personnellement, je les plains déjà: car de cette distance ils seront encore plus perplexes que nous – qui connaissons un peu mieux certains détails anecdotiques ou conjoncturaux, en tout cas – par la grande confusion caractérisant actuellement ce champ.” (Slama-Cazacu, 1972, p. 8), quando Sebeok, no prefácio à segunda edição (1965) do volume “Psycholinguistics. A survey of theory and research problems” também organizado por Osgood, datado de 15 de Janeiro de 1965, escreve: “J'envie ceux qui auront l'occasion de passer en revue les progrès de la psycholinguistique du point de vue de 1975. ” (Slama-Cazacu, 1972, p. 41).
A breve panorâmica da PL aqui traçada, muito embora elaborada, em 2001, por alguém que conheceu de perto parte dos autores nela incluídos – com uma referência muito especial a Sebeok e a Slama-Cazacu –, não pode deixar de transparecer a “perplexidade” que representa optar por um determinado percurso e não por outro, traduzindo afinal uma posição que se identifica com as palavras de Slama-Cazacu acima transcritas.
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Referência:http://luciolinguista.blogspot.com.br/
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